terça-feira, 28 de maio de 2013

Mãos diferentes


                                   MÃOS DIFERENTES

                       
                        Muitas palavras podemos dizer sobre as mãos.
                        Há mãos que afagam e que machucam.
                        Mãos que doam e mãos que tiram.

                        Há as sedosas e as calosas.
                        As bem cuidadas
                        e as maltratadas pelo trabalho ou pelo tempo.
                        As escorregadias que percebemos
                       como que de pessoas falsas.
                        As suadas, que para nós
                       são desconfortáveis se as tocamos.

                        Mãos de um idoso que o filho fotografou,
                        refletindo que, na infância, teve muito  medo delas
                        e que agora são inofensivas.
                        Mãos do tetraplégico,
                        que nos acanhamos em tocar,
                        porque não podem corresponder ao nosso toque.

                        Mãos que ignoram a mão estendida
                        para o cumprimento,
                        ou que somos obrigados,
                        pela circunstância,
                        a tocar contra nossa vontade.

                        Mãos frias ou quentes,
                        transmitindo expressões humanas
                       que só nós podemos sentir ou descrever.

                        As benditas mãos do cirurgião
                       que um dia pedi a Deus que as abençoasse,
                       num agradecimento pessoal
                       e que o médico à minha frente,
                       olhou para as suas próprias mãos,
                       como se nunca tivesse pensado nessa bênção.
                       E esse gesto jamais esqueci!



                        Nazareth Peres
                       


                        Texto proposto na Oficina: Laboratório de Escrita e Poéticas: A Hora do Conto.
                        SESC Belenzinho   -  maio/2011

                        João Anzanello Carrascozza

Oração da maçaneta - de Gióia Júnior

Não há mais bela música
que o ruído da maçaneta da porta
quando meu filho volta para casa.

Volta da rua, da vasta noite,
da madrugada de estranhas vozes,
e o ruído da maçaneta
e o gemer do trinco,
o bater da porta que novamente se fecha.
o tilintar inconfundível do molho de chaves
são um doce acalanto,
uma suave cantiga de ninar.

Só assim fecho os olhos,
posso afinal, dormir e descansar.

Oh! a longa espera,
a negra ausência,
as histórias de acidentes e assaltos
que só a noite, como ninguém, sabe contar!

Oh! os presságios e os pesadelos,
o eco dos passos nas calçadas,
a voz dos bêbados na rua
e o longo apito do guarda
medindo a madrugada,
e os cães uivando na distância
e o grito lancinante da ambulância!

E o coração descompassado a pressentir
e a martelar
na arritmia do relógio do meu quarto
esquadrinhando a noite e seus mistérios.

Nisso, na sala que se cala, estala
a gargalhada jovem
da maçaneta que canta
a festiva cantiga do retorno.
E sua voz engole a noite imensa
com todos os ruídos secundários.
-Oh! os címbalos do trinco
e os clarins da porta que se escancara
e os guizos das muitas chaves que se abraçam
e o festival dos passos que ganham a escada!

Nem as vozes da orquestra
e o tilintar de copos
e a mansa canção da chuva no telhado
podem sequer se comparar
ao som da maçaneta que sorri
quando meu filho volta.

Que ele retorne sempre são e salvo,
marinheiro depois da tempestade
a sorrir a a cantar.
E que na porta a maçaneta cante
a festiva canção do seu retorno
que soa para mim
como suave cantiga de ninar.

Só assim, só assim meu coração se aquieta,
posso afinal, dormir e descansar!