quinta-feira, 27 de julho de 2017

O Estranho

                                               
                                                           O ESTRANHO
                                                                                 
Um pouco de ficção porque a realidade às vezes é muito dura.

            Voltando do trabalho, saí do metrô às dezoito e trinta. Subi a escada rolante para chegar ao mezanino, depois descer a outra escada e atingir a rua.
            Ele estava lá, encostado na parede ao lado da escadaria. Parecia estar me esperando. Olhou-me fixamente. Desviei o olhar e comecei a caminhar bem rápido. Em três quarteirões chegaria ao prédio onde moro.
            Resolvi olhar de esguelha para trás e ele vinha me acompanhando, desengonçado, tentando me alcançar nos meus passos acelerados.
            Comecei a me preocupar. Reduzi a velocidade da marcha e ele quase me alcançou. Manteve um metro de distância de mim, até que cheguei ao prédio.
            Entrei pelo portão de pedestre, ele acelerou, passando rente a mim. Fui até ao elevador que estava vazio e ele não me deu tempo para deixá-lo para trás. Entrou comigo.
            Comecei a observá-lo melhor. Parecia um menino de uns dez anos,  com um metro e meio de altura, mas o seu rosto revelava mais idade.
            Cabeça desproporcional, sem cabelos, enormes olhos que quase não piscavam. Sua face era diferente: nariz achatado, lábios finos, minúsculos. A pele era azeitonada. Seria pardo, moreno, negro enfim? Não saberia definir a sua etnia.
            Usava uma roupa colante prateada,  como se fosse uma “segunda pele”, daquelas que  as mulheres usam por baixo das roupas de festa ou quando está muito frio.
            Decote fechado, mangas compridas e justas até os punhos, como um macacão de bailarino, comprido até os pés. Calçava alpercatas também de cor cinza.
            Chegamos ao meu andar e cruzei com um vizinho que me cumprimentou sem dar mostras de que tivesse visto meu acompanhante.
            Abri a porta do meu apartamento e antes que eu conseguisse passar, o estranho se esgueirou para dentro da sala.
            Neste momento me dei conta de que só eu o via. Desde que o encontrei na saída do metrô, ninguém olhou ou reparou na minha companhia.
            Tentei me comunicar: “De onde você vem”?
            Ele nem piscou, nem me respondeu.
            “Quem é você e por que me acompanhou”? Nada de resposta.
            Os seus grandes olhos escuros me fitavam insistentes.
            Pensei: “O que faço”? Tentei colocá-lo para fora, mas foi inútil. Ele ficou em pé ao lado da porta e não atendeu as minhas ordens.
            Tive receio de tocá-lo. Deixei-o ali no canto e comecei a fazer as minhas atividades rotineiras: um banho, uma troca de roupa, um jantar de congelado preparado no micro-ondas.
            Sentei-me no sofá, liguei a TV e ele lá em pé no mesmo lugar, me olhando.
            Ofereci-lhe comida, pedi que se sentasse e nada! Resolvi ignorá-lo, apesar do medo.
            Retomei algumas atividades: lavar a louça, limpar a pia e o banheiro, colocar a roupa na lavadora e depois na secadora.
            Estava exausto e a emoção do encontro me consumia.
            Disse-lhe: “Vou dormir. Você pode ficar no sofá e descansar. Toma essa manta e use-a se sentir frio”.
            Fui para o quarto. Ele me acompanhou, mas consegui entrar e trancar a porta antes que entrasse também.
            Que noite horrível! Um sono entrecortado com sonhos psicodélicos, cheios de luzes, raios e seres de outros planetas. Um pesadelo sem fim.
            Afinal, o amanhecer.
            Levantei-me, abri a porta. Ele continuava de pé ao lado do quarto. Não parecia ter descansado.
            Rotinas matinais: a higiene pessoal, o café da manhã, folhear o jornal rapidamente, que tinha sido colocado à porta, do lado de fora, pelo porteiro do prédio.
            Nenhuma notícia sobre seres intergaláticos.
            Eu continuava sob a vigilância do misterioso e indesejado companheiro.
            Saí para o trabalho, ele atrás de mim. Ficou no mesmo lugar ao pé da mesma escada do metrô  do dia anterior.
            As pessoas passavam por mim e não viam nada diferente. Só eu o via.
            Já era terça-feira e a situação se repetiu da mesma forma, até a sexta-feira à noite.
            Ele não se comunicava, não comia, não se deitava ou sentava, e aparentemente, não dormia.
            Tudo muito estranho!
            Eu não quis falar sobre ele com ninguém. Temia que me julgassem estar com distúrbios psicológicos.
            Amanheceu o sábado. Abri a porta do quarto. O susto!
            Ao lado da porta uma mancha marrom do contorno de um corpo caído no chão. Parecia ter sido incinerado. Procurei-o pelo apartamento e não o encontrei.
            Procurei limpar o chão com aspirador de pó, vassoura, produto de limpeza vigorosamente esfregado. Tentei raspar aquela mancha com uma pá, sem sucesso.
            Tomei uma talhadeira e um martelo e procurei furar a madeira do piso. A marca do corpo estava entranhada no lugar, até a  uns cinco centímetros .
            O que fazer?
            Pensei: “Vou visitar a minha mãe que há uns dias não vejo. Dou uma desculpa e fico com ela por uns tempos”.
            Eu queria era sair o quanto antes daquele lugar.
            Arrumei umas malas apressadamente com roupas e objetos de uso pessoal. Avisei o porteiro que iria ficar fora alguns dias. Pedi-lhe que guardasse a minha correspondência.
            Minha mãe ficou feliz em me ver e mais feliz ainda, quando lhe disse que iria ficar com ela uns quinze dias porque estava cansado de viver sozinho.
            Passaram-se os dias e eu tinha que retomar minha vida, mas como? Não tinha coragem de voltar ao meu apartamento.
            Chamei uns homens para retirar a mobília que doei para uma instituição de caridade, assim como o resto da roupa que eu havia deixado lá.
            Com o apartamento vazio, mandei fazer uma reforma que incluiu a pintura e a colocação de um carpete sobre o piso da sala, cobrindo a mancha inexplicável.
            Aos curiosos, disse que tinha sido uma brincadeira dos sobrinhos.
            Coloquei o imóvel à venda e nunca mais retornei lá.
            Continuei a morar com a minha mãe que ficou toda contente com a companhia.
            Mudei de estação de metrô, pois a casa da minha mãe é distante do meu antigo endereço.
            Já faz um ano que não vejo o estranho. Não sei quem ele era, o que queria e porque me assediou.
             Mas que era um ser de outro planeta, tenho certeza!
            Não falei sobre isso com nenhuma pessoa, mas em muitas noites sou assombrado pela sua lembrança.
            Tenho pesadelos e durmo mal. Deveria buscar ajuda profissional ou religiosa?

            Não pretendo me expor e não quero mais nem pensar nisso, mas sim, tentar esquecer o que vivi.