terça-feira, 29 de setembro de 2020

DESENCONTRO Estamos há horas juntos, aqui sentados lado a lado e você nem me olha, me vê ou me ouve. Tento manter um diálogo. É inútil. Você permanece indiferente a mim. Eu falo do que trago dentro do coração. Conto os meus sonhos, projetos, fantasias, objetivos, ideais e sou ignorada. Quero penetrar seus pensamentos, roubar os seus sonhos, sugar sua alma, “invadir sua aura”. Eu o tenho como modelo. Quero imitá-lo, desfrutar de um pouco do seu sucesso. Nós juntos, eu e você, estamos só olhando os que passam devagar à nossa frente. Um idoso caminhando com dificuldade. Uma mulher tranquila levando pela coleira seu lhasa apso. Várias crianças passam gritando e correndo. Em seguida, um menino vagaroso parecendo entendiado. As árvores frondosas enfeitam a avenida e observam silenciosamente o fluxo lerdo dos carros, por causa do congestionamento. Os próprios carros parecem também olhar tudo ao redor, desconfiados, com vidros escuros protegendo seus ocupantes, esses desfrutando o ar condicionado interior dos seus veículos. As janelas dos prédios de apartamentos luxuosos do outro lado, se assemelham a grandes olhos curiosos, espiando tudo devagar. Insisto, mas você continua a não me ver e ouvir. De repente, você murmura algo. Inclino-me para ouvi-lo melhor. Às nossas costas o mar se movimenta preguiçoso. Chego mais perto da sua boca, e tenho a impressão de que você diz, baixinho: “Êta vida besta, meu Deus!” Homenagem a Carlos Drumond de Andrade - Poesia: “Cidadezinha Qualquer”.