Do alto dos meus
Setenta anos,
Revejo os fatos
Que marcaram
A minha vida.
Fui a primeira filha,
Alfabetizada pela mãe.
O pai, tão simples quanto ela,
Comprava jornais
Que eu lia com prazer.
Tive ímpetos de independência
Aos onze anos:
Queria morar sozinha,
Para poder fazer
O que quisesse,
Quando quisesse.
Tenho uma irmã
E bem mais tarde,
Um irmão.
Nas brincadeiras infantis
Eu era a líder
Que levava o grupo
Para onde eu queria.
Depois, a escola.
A igreja do bairro,
Que nos proporcionou
Entre outras coisas,
Uma sala de leitura
Com escolhas diversas.
Uma visão além do tempo,
Dos padres holandeses
Com quem convivemos.
Chegou a adolescência,
E o Curso Normal
Para Formação de Professoras.
Não havia outra opção
Para as mocinhas
Dos anos cinquenta.
Em seguida:
O casamento, os filhos,
O trabalho no magistério.
Alcancei tudo a que me propus
Na profissão e na vida.
Sou hoje,
Como sempre fui.
Eu me defino:
Uma qualidade - persistência.
Um defeito - teimosia.
Essas são as minhas marcas.
Os que me amam,
Dizem que sou agregadora.
Mas há quem me julga ser
Controladora.
Na vida atual
Com filhos e netos,
Genros e nora,
Numa grande família.
O marido partiu
Muito cedo
Para a Casa do Pai.
Eu me sinto bem
Ao recordar as boas coisas
E considerar irrelevantes
Os maus momentos,
Transformando-os
Em aprendizagem.
Meu lema, copiei
De uma autora dinamarquesa:
"Existe em mim,
Uma menina,
Que se recusa a morrer."
Como esse autorretrato
Se assemelha a um necrológio!
Mas é como quero
Que se lembrem de mim,
Os que me amaram.
Nazareth Peres
Oficina de Literatura - Poesia - com Heitor Ferraz Mello
SESC Belenzinho - nov/dez/2011
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