O
ESTRANHO
Um pouco de ficção porque
a realidade às vezes é muito dura.
Voltando do
trabalho, saí do metrô às dezoito e trinta. Subi a escada rolante para chegar
ao mezanino, depois descer a outra escada e atingir a rua.
Ele estava lá,
encostado na parede ao lado da escadaria. Parecia estar me esperando. Olhou-me
fixamente. Desviei o olhar e comecei a caminhar bem rápido. Em três quarteirões
chegaria ao prédio onde moro.
Resolvi
olhar de esguelha para trás e ele vinha me acompanhando, desengonçado, tentando
me alcançar nos meus passos acelerados.
Comecei a me
preocupar. Reduzi a velocidade da marcha e ele quase me alcançou. Manteve um
metro de distância de mim, até que cheguei ao prédio.
Entrei pelo
portão de pedestre, ele acelerou, passando rente a mim. Fui até ao elevador que
estava vazio e ele não me deu tempo para deixá-lo para trás. Entrou comigo.
Comecei a
observá-lo melhor. Parecia um menino de uns dez anos, com um metro e meio de altura, mas o seu
rosto revelava mais idade.
Cabeça
desproporcional, sem cabelos, enormes olhos que quase não piscavam. Sua face
era diferente: nariz achatado, lábios finos, minúsculos. A pele era azeitonada.
Seria pardo, moreno, negro enfim? Não saberia definir a sua etnia.
Usava uma
roupa colante prateada, como se fosse
uma “segunda pele”, daquelas que as
mulheres usam por baixo das roupas de festa ou quando está muito frio.
Decote
fechado, mangas compridas e justas até os punhos, como um macacão de bailarino,
comprido até os pés. Calçava alpercatas também de cor cinza.
Chegamos ao
meu andar e cruzei com um vizinho que me cumprimentou sem dar mostras de que
tivesse visto meu acompanhante.
Abri a porta
do meu apartamento e antes que eu conseguisse passar, o estranho se esgueirou
para dentro da sala.
Neste
momento me dei conta de que só eu o via. Desde que o encontrei na saída do
metrô, ninguém olhou ou reparou na minha companhia.
Tentei me
comunicar: “De onde você vem”?
Ele nem
piscou, nem me respondeu.
“Quem é você
e por que me acompanhou”? Nada de resposta.
Os seus
grandes olhos escuros me fitavam insistentes.
Pensei: “O
que faço”? Tentei colocá-lo para fora, mas foi inútil. Ele ficou em pé ao lado
da porta e não atendeu as minhas ordens.
Tive receio
de tocá-lo. Deixei-o ali no canto e comecei a fazer as minhas atividades
rotineiras: um banho, uma troca de roupa, um jantar de congelado preparado no
micro-ondas.
Sentei-me no
sofá, liguei a TV e ele lá em pé no mesmo lugar, me olhando.
Ofereci-lhe
comida, pedi que se sentasse e nada! Resolvi ignorá-lo, apesar do medo.
Retomei
algumas atividades: lavar a louça, limpar a pia e o banheiro, colocar a roupa
na lavadora e depois na secadora.
Estava
exausto e a emoção do encontro me consumia.
Disse-lhe:
“Vou dormir. Você pode ficar no sofá e descansar. Toma essa manta e use-a se
sentir frio”.
Fui para o
quarto. Ele me acompanhou, mas consegui entrar e trancar a porta antes que
entrasse também.
Que noite
horrível! Um sono entrecortado com sonhos psicodélicos, cheios de luzes, raios
e seres de outros planetas. Um pesadelo sem fim.
Afinal, o
amanhecer.
Levantei-me,
abri a porta. Ele continuava de pé ao lado do quarto. Não parecia ter
descansado.
Rotinas
matinais: a higiene pessoal, o café da manhã, folhear o jornal rapidamente, que
tinha sido colocado à porta, do lado de fora, pelo porteiro do prédio.
Nenhuma
notícia sobre seres intergaláticos.
Eu
continuava sob a vigilância do misterioso e indesejado companheiro.
Saí para o
trabalho, ele atrás de mim. Ficou no mesmo lugar ao pé da mesma escada do
metrô do dia anterior.
As pessoas
passavam por mim e não viam nada diferente. Só eu o via.
Já era
terça-feira e a situação se repetiu da mesma forma, até a sexta-feira à noite.
Ele não se
comunicava, não comia, não se deitava ou sentava, e aparentemente, não dormia.
Tudo muito
estranho!
Eu não quis
falar sobre ele com ninguém. Temia que me julgassem estar com distúrbios
psicológicos.
Amanheceu o
sábado. Abri a porta do quarto. O susto!
Ao lado da
porta uma mancha marrom do contorno de um corpo caído no chão. Parecia ter sido
incinerado. Procurei-o pelo apartamento e não o encontrei.
Procurei
limpar o chão com aspirador de pó, vassoura, produto de limpeza vigorosamente
esfregado. Tentei raspar aquela mancha com uma pá, sem sucesso.
Tomei uma
talhadeira e um martelo e procurei furar a madeira do piso. A marca do corpo
estava entranhada no lugar, até a uns
cinco centímetros .
O que fazer?
Pensei: “Vou
visitar a minha mãe que há uns dias não vejo. Dou uma desculpa e fico com ela
por uns tempos”.
Eu queria
era sair o quanto antes daquele lugar.
Arrumei umas
malas apressadamente com roupas e objetos de uso pessoal. Avisei o porteiro que
iria ficar fora alguns dias. Pedi-lhe que guardasse a minha correspondência.
Minha mãe
ficou feliz em me ver e mais feliz ainda, quando lhe disse que iria ficar com
ela uns quinze dias porque estava cansado de viver sozinho.
Passaram-se
os dias e eu tinha que retomar minha vida, mas como? Não tinha coragem de
voltar ao meu apartamento.
Chamei uns
homens para retirar a mobília que doei para uma instituição de caridade, assim
como o resto da roupa que eu havia deixado lá.
Com o
apartamento vazio, mandei fazer uma reforma que incluiu a pintura e a colocação
de um carpete sobre o piso da sala, cobrindo a mancha inexplicável.
Aos
curiosos, disse que tinha sido uma brincadeira dos sobrinhos.
Coloquei o
imóvel à venda e nunca mais retornei lá.
Continuei a
morar com a minha mãe que ficou toda contente com a companhia.
Mudei de
estação de metrô, pois a casa da minha mãe é distante do meu antigo endereço.
Já faz um
ano que não vejo o estranho. Não sei quem ele era, o que queria e porque me
assediou.
Mas que era um ser de outro planeta, tenho
certeza!
Não falei
sobre isso com nenhuma pessoa, mas em muitas noites sou assombrado pela sua
lembrança.
Tenho
pesadelos e durmo mal. Deveria buscar ajuda profissional ou religiosa?
Não pretendo
me expor e não quero mais nem pensar nisso, mas sim, tentar esquecer o que
vivi.
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