quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

MARÍA DEL CARMEN



MARÍA DEL CARMEN

Nasci na Espanha em 1902. Cheguei ao Brasil em 1913, com meus pais e mais quatro irmãos. Eu era a terceira filha.
A viagem no navio “Provence” que procedia do porto de Gibraltar, consumiu muitos dias.
Vínhamos com famílias também espanholas, todas com expectativas de trabalho, sucesso e sonhos de breve regresso.
Na Espanha a situação estava difícil para nós, simples camponeses.
Terras cansadas, poucos resultados, pobreza.
Começou a circular entre parentes, amigos e vizinhos que no Brasil estavam precisando de mão de obra para as lavouras do café.
Havia compensações para a imigração: passagens pagas para toda a família, trabalho garantido e moradia nas fazendas de São Paulo.
Meus pais se animaram. Juntamos alguns bens, roupas, documentos, fotografias e com outros conhecidos e parentes, nos aventuramos nessa nova vida. A maioria de nós jamais regressaria.
Eu, uma menina de dez anos, estranhava tudo durante a viagem. As acomodações eram acanhadas, a alimentação diferente.
A proximidade com tantos passageiros e o grande número de crianças de todas as idades, nos perturbavam.
Chegamos afinal ao Porto de Santos.
O desembarque foi tumultuado, com cuidados para a família não se desgarrar e os pertences não serem perdidos.
Embarcamos num trem para subir lentamente a serra até a Capital.
Chegamos à Hospedaria dos Imigrantes, onde ficamos por uma semana.
Os homens eram alojados separadamente das mulheres, que ficavam com os filhos menores.
Um breve descanso. Algum tratamento médico e higiene pessoal, no aguardo do enviado do patrão para nos conduzir de caminhão, por um dia inteiro de viagem pelas estradas poeirentas.
Chegamos à fazenda determinada, desde as tratativas da imigração, ainda na Espanha.
Meus olhos de menina viram tantas novidades que me causaram admiração.
As acomodações a nós destinadas eram simples, mas os patrões moravam numa grande e bela casa.
Conhecemos os negros e mulatos que nunca tínhamos visto nas nossas aldeias.
Eles circulavam pela fazenda exercendo seu ofício no cafezal. Alguns deles e suas famílias, se tornaram nossos amigos um tempo depois.
Os espanhóis e italianos se espalhavam em enormes espaços.
Em poucos dias iniciou-se o duro trabalho de sol a sol nos arruamentos do café, a colheita dos grãos vermelhos, a secagem no pátio, o ensacamento e colocação nos transportes para longe, tão longe, que eu não poderia imaginar onde pudesse ser.
Os filhos mais velhos foram para a roça com o pai. Os menores ficaram com a mãe, sempre atarefada com a casa, a comida, as roupas, a criação de aves e porcos, a vaquinha para o leite, o pomar e a horta.
Os imigrantes se agrupavam segundo sua procedência: espanhóis de um lado, italianos de outro. Cada grupo falando seu próprio idioma e mantendo suas tradições e costumes.
Pouco se falava a língua portuguesa, a não ser o necessário para a comunicação com os brasileiros.
Não havia escolas para os filhos dos imigrantes. Mas à noite, meu pai e outros na sua condição, ensinavam aos filhos os rudimentos da leitura e escrita em português, mais as operações fundamentais da matemática.
Eles sabiam que devíamos nos integrar na cultura da nova terra.
Então, eu me apoderei da minha própria história.
Filha diligente, ajudava a minha mãe em tudo, aprendendo a cozinhar, fazer o pão, usar as
receitas espanholas possíveis, costurar, lavar roupas e outros afazeres, bem como cuidar dos irmãos menores.
Raramente se ia à cidade. Era o pai quem saía para fazer compras, às vezes acompanhado por um dos filhos mais velhos.
Era uma vida reclusa, ao redor do núcleo familiar.
Só de vez em quando nos reuníamos com outros grupos para alguns festejos.
Os jovens imigrantes iam se casando entre si, com os da própria nacionalidade.
Aos vinte anos conheci o Antônio, espanhol, como eu.
Já havia uma aproximação das famílias e o namoro foi desde o início, um compromisso de casamento.
Nessa altura, o café estava em declínio em sua produção. As grandes fazendas foram divididas em sítios colocados à venda.
Os rapazes imigrantes da segunda geração, juntavam aos poucos seu dinheiro e compravam os sítios, tornando-se proprietários.
Antônio, meu futuro marido, associou-se a um dos seus irmãos na aquisição da primeira propriedade.
Assim, quando nos casamos, tínhamos nossa terra.
Meus sogros foram morar conosco. A vida e o relacionamento eram difíceis, principalmente entre sogra e nora.
Mais adiante, eu contava aos meus filhos maiores essa parte da minha história.
A sogra era a dona da casa. Ela levava o almoço do filho na roça, me impedindo de fazê-lo.
Para ele, dizia que eu não queria ir.
De intriga em intriga, sofri muito.
Tive dez filhos. Uma das gestações foi gemelar, mas só o menino sobreviveu.
Mais ou menos a cada dois anos, um novo filho. Era só desmamar e engravidar outra vez.
Dos dez filhos, criamos sete. Exceto a gêmea que resistiu poucos dias, os outros dois, faleceram na primeira infância.
Conforme o costume dos espanhóis, os nomes iam se repetindo em homenagem aos avós e tios: Isabel, Antônio, Francisco, Ramon, Pedro, Maria. O caçula teve um nome diferente – João.
Os padrinhos de todos eles, também segundo um costume, foram o cunhado sócio e sua mulher.
Na questão dos nomes e sobrenomes, os escreventes do registro civil anotavam o que entendiam e como ouviam o que era declarado. Assim os nomes estrangeiros sofreram modificações e sua grafia foi se aportuguesando.
Por isso, de Maria del Carmen, me transformei simplesmente em Carmen.
Meu marido e eu tivemos os sobrenomes também transformados, que assim foram passados para os descendentes.
Os filhos mais velhos ficaram com os sobrenomes mantidos na grafia original e os demais, na segunda.
E isso ocorreu da mesma forma, com os outros imigrantes das várias nacionalidades.
A sociedade dos irmãos se desfez e cada um ficou com seu próprio sítio, o que era um progresso.
Minha vida se resumia ao trabalho da casa, crianças, família. Minha saúde começou a se deteriorar.
Meus pais e sogros haviam falecido. Nossos irmãos se espalharam pelo interior e quase não nos visitávamos.
Nossos filhos mais velhos começaram a ajudar o pai no cafezal, como na geração anterior.
E a crise do café se aprofundava.
Como os pais da primeira geração o fizeram, Antônio alfabetizava os filhos à noite e lhes ensinava a matemática essencial.
Não havia escola para os nossos filhos.
Minha filha mais nova teve aos dois anos, um sério problema pulmonar e passou por delicada cirurgia.
Minha fé em Santa Luzia, ajudou na recuperação.
Por isso, no dia treze de dezembro de cada ano, eu cumpria a minha promessa de rezar um terço em casa com familiares e amigos. Era um dia de festa.
A vida ficava cada vez mais pesada e eu definhando.
Decidimos, como outros sitiantes, vender a propriedade e sair do interior.
Alguns foram cultivar o café no Paraná.
Nós fomos para para uma cidade próxima a São Paulo, onde teríamos ajuda de outros parentes ali instalados e melhor assistência médica para mim.
Qual era a minha doença? Estresse, cansaço, depressão, hipertensão? Não se falava claramente qual era o problema.
Fui piorando, e aos cinquenta anos, fui embora, deixando inconsoláveis o marido e os filhos, o mais novo com dez anos.
Os descendentes e agregados que se uniram a nós pelo casamento, se apropriaram da minha história, e nos transformamos numa grande família festeira.
Vi somente a filha mais velha casada. Os demais filhos foram se colocando na vida, se casando, tendo seus próprios filhos. Não conheci netos, bisnetos, nem o trineto.
Os casamentos se tornaram cada vez mais mistos, com descendentes de italianos, portugueses, alemães, eslavos. Uma bela mistura que resultou em gente muito bonita.
Alguns da nossa família pesquisaram as histórias, os ascendentes e construíram uma rica árvore genealógica.
Descobriu-se, através de processo de requisição da nacionalidade espanhola de um dos nossos, os nomes dos quatro avós de Antônio e Carmen, chegando-se à identificação de sete gerações.
E como em qualquer história de família, o fim não existe.
Nossos descendentes estão aí, se multiplicando, procurando manter a amizade e a proximidade, juntando-se nas alegres festas, mais de sessenta pessoas.
A vida segue seu caminho.
Alguns a seu tempo já partiram ou partirão, mas muitos outros estão chegando ou por chegar.



Texto da minha autoria publicado à página 75 doVolume XXI-
O CONTO BRASILEIRO HOJE - RG Editores - 2012.
Refere-se à história da minha sogra Carmen Martins Martins, conforme relatos dos seus filhos, pois eu não a conheci. Ela era Martínez Martínez porque  seus pais tinham o mesmo sobrenome.
Só quando buscamos as certidões de desembarque dos imigrantes espanhóis - os pais dos meu sogros, é que descobrimos a alteração dos nomes: Martínez - ficou Martins. Dos Perez, alguns ficaram Peres e María del Carmen, ficou simplesmente: Carmen.








































4 comentários:

  1. Nazareth, lindo o conto. Sua sogra,esteja onde estiver, deve orgulhar-se muito desta nora que não conheceu. Angela

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    1. Obrigada, amiga Ângela!
      Estou aprendendo a escrever nos laboratórios do SESC Belenzinho, e a colocar no papel, as minhas emoções e observações.
      Nazareth

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  2. ANSEIOS

    Se alguém não lhe oferecer abrigo
    Eu lhe darei meu coração.
    Quando você chorar
    Estarei ao teu lado para secar suas lágrimas
    Se o sol não brilhar o seu dia
    Te darei meu sorriso.

    Quando as estrelas surgirem no seu firmamento
    Eu lhe darei meu infinito
    Se faltar-lhe um abraço
    Eu te darei meu afeto
    Quando a fonte da paixão secar, eu lhe darei o mar.

    Sua amizade me basta
    Seu carinho procuro
    Seu amor eu anseio
    Sua paixão eu desejo.

    Você é meu caminho, meu atalho e minha estrada
    Sem você meus sentidos me negam
    Minha alma me trai
    Meus sentimentos se perdem...

    Seu coração é nossa aliança
    Seus lábios, minha esperança...
    A esperança de sentir o gosto do seu mel,
    Do seu corpo
    Do seu prazer.

    *( Agamenon Troyan)

    SKYPE: tarokid18

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